uma conversinha de nada que dá adeus às relações com um “até logo”

Era uma terça-feira meio abafada, por volta das 17h20. O céu limpo, com aquele tom meio rosa começando a aparecer. Normalmente eu não teria prestado atenção, mas ela prestaria quando chegasse. Olho em minha volta pra procurá-la agora que lembrei dela. Sentada no banco, de frente pro Teatro Amazonas, o céu rosa reflete nele e faz tudo parecer meio rosado também. As pessoas conversam, tem gringos tirando foto, crianças rindo, adolescentes de farda das escolas do Centro. Um clima meio de conforto, meio de paz. É bom.

— Ei. — ouvi a voz dela do meu lado.

Virei para olhá-la e ela ajeitava a bolsa ao meu lado. Acho que até eu fiquei meio rosa também. Ela tava meio risonha, meio triste também. Aquele ar meio melancólico dela, mesmo quando fica de sorrisinhos. Eu não sei quando passei a reparar que ela era engraçadinha assim… um jeito que te faz ficar meio sorrindo, meio viajado. Era essa energia dela.

— E aí.

— O que vamo fazer?

— A gente pode ficar aqui.

— O céu tá bonito. — ela olhou pra cima e depois olhou pro Teatro. — Olha como o Teatro tá todo rosa.

— É. Tá rosa mesmo. — fingi que tinha percebido agora.

— Tu quer ficar aqui mesmo?

— Pra onde tu quer ir?

— A gente pode só andar por aí. Até lá a gente decide.

— E ser assaltada?

— Confia. Vamo.

Ela me levantou. Começamos a andar. Meio abafado, meio vento. Ela andava com aquele all star sujo e eu de havaianas.

— Tá. E aí. O que quer falar comigo?

— Feliz aniversário, sei lá.

Ela me olhou com aquela cara de “o que posso fazer?”. Me deixava triste… como ela se via como um problema-cotidiano, algo do tipo.

— E aí?

— E aí que tu agradece agora.

—  Agradecer pelo parabéns? Ah, muito obrigada. — ela deu um sorrisão engraçado. — Pode só… falar comigo agora?

— Como que a gente só fala disso?

— Tem sempre algo que faz começar, né?

Dobramos a esquina, estávamos indo em direção à Biblioteca Pública.

— Não me faz ser a mediadora das coisas de novo. É meio chato. — ela disse depois de um tempo em silêncio.

— Acho que eu só meio que gosto de como a gente é assim.

Aquele silêncio de novo. Ela sempre precisava de um tempo pra pensar.

— Tu não tá apaixonada por mim não, né?

— Sei lá. Quem usa “apaixonada” nos dias de hoje?

Ela riu, mas não tinha graça na risada.

— Emocionada?

Agora eu meio que ri.

— Não, não tô emocionada.

— E se eu tivesse ficando emocionada?

— Tu não tá.

— Ah, porque tu me conhece melhor do que eu mesma.

— Meio que a gente fica nesse chove-não-molha…

— E meio que a gente fica se ignorando sempre, né?

— É, mas… não é algo que dá pra resolver.

Paramos quando o sinal fechou. Sinceramente eu só deixei que ela me guiasse.

— Tu tá namorando. — eu a lembrei.

— E tu é ex da minha irmã.

— Entende quando não dá pra resolver?

Os cabelos dela voavam quando os carros passavam depressa.

— Estamos terminando?

— Não tem com terminar algo que não começou.

— Mas me parte como se fosse.

— Tu não tá triste por mim. Tá triste por si mesma. — ela cuspiu.

— Tu tá namorando. Eu sou só um casinho. Tu que tá pensando só em si mesma.

— Se você acha.

— Então por que não termina com ela?

Ela me olhou como se fosse óbvio.

— E aí ficamos juntas?

Fiquei calada.

— Sabendo que tu traiu a minha irmã?

— Não começa.

— Então não faz isso. — ela colocou as mãos no bolso. — Podemos só merendar. — olhou para a Skina do suco.

— Acho que sim. — eu fiquei sem fome.

Entramos e sentamos na beirada da bancada. Ela de frente pra mim. Olhando assim, seus cabelos arrepiados e a sua blusa branca manchada de azul no ombro, parecia uma despedida. A maneira que a gente ficou em silêncio enquanto olhava o cardápio e depois quando o moço veio nos atender.

— Um suco de cupuaçu. — ela pediu. — E um pão com queijo e banana.

— E a moça? — ele olhou pra mim.

— Suco de goiaba. Misto. — sorri.

Ficamos caladas de novo.

— Esse aniversário tá um saco.

— Ela não te levou pra comemorar em algum lugar? — me referi a namorada dela.

— Só mais tarde. Ela vai me levar pra um barzinho aqui no Centro.

— Mesmo sabendo que tu não tá bebendo?

— É, eu quero conhecer o bar. — ela ficou armada de repente.

Silêncio de novo.

— Por que acha que vou terminar com a minha namorada?

— Então por que a gente tá aqui? — eu falei.

— Não sei. — ela piscou. — Porque a gente era amiga antes disso. E eu vi como era antes, sabe? A gente tem a mesma idade, a minha irmã é seis anos mais velha… eu sei que… eu sei o que acontecia.

— O que acontecia?

— A gente tem dezessete anos. Quer dizer, eu tenho dezoito agora, mas… não tem como cobrar de você coisas que ela cobrava, sabe?

— E daí? Por que a gente tá aqui?

— Porque ela te machucou.

— E o que tu tem a ver com isso?

— Porque… porque eu… não sei, tá? Eu só… — ela sussurrou.

Eu estava começando a me tremer. Queria sair dali de qualquer jeito.

— Tu não é um tampa-buracos da sua irmã. Se tu me vê só como um brinquedinho quebrado dela e por acaso acha que pode me consertar, não pode. Não pode fazer isso.

— Não. A gente já era amiga antes disso.

— É, mas a gente não é mais.

— Então, o que a gente é?

— Não sei, mas não somos amigas. E eu não sou alguém que precisa de cuidado. Aconteceu, eu traí a sua irmã. Então, se quer falar de consideração sobre trair a sua namorada comigo, por que simplesmente não pensa na sua irmã que chorou por mim quando aconteceu?

— Porque ela não chorou de dor, ela chorou por orgulho dela. Foi só por ela. — ela respondeu. — Eu não achei justo com você. Porque eu queria que ela sofresse por você. Que você fosse tão amada, tão importante, que ela chorasse por muito tempo por não ter sido a escolhida. Mas ela não chorou. E acho que isso me incomodou. Só isso.

Fiquei em silêncio. Não era como se eu não soubesse de tudo o que ela falou. Mas dito em voz alta me deixou meio desequilibrada.

— Desculpa. — ela sussurrou. — Eu não queria ter falado assim.

— Tu só tá sendo sincera. — suspirei.

Nosso pedido chegou. Comemos em silêncio. O suco geladinho desceu pela minha garganta desfazendo um pouco aquele nó de choro.

— É assim que quer comemorar seu aniversário?

— Eu gosto, sei lá. — ela deu outra mordida no pão. — Acho que posso ser sincera aqui.

— E com a sua namorada não?

— Não é isso. É complicado. 

Ela bebericou o suco.

— Tá escurecendo. — ela olhou pra fora.

— Que horas tu marcou com ela?

— Daqui a pouco. — olhou o horário no celular. — Me deixa no Largo?

Paguei a conta e nos levantamos.

— E então?

— Acho que é isso. — ela virou pra mim e me beijou.

A boca dela geladinha com gosto de cupuaçu. As mãos geladas por causa do copo tocaram na minha nuca.

— Eu te vejo amanhã?

— É. — ela me deu outro toque.

— Se diverte com ela.

— Te ligo quando chegar.

E ela foi embora com aquele sorriso triste dela. Com o jeitinho de quem quer dar adeus, mas só consegue dizer “até logo”.





Deixe um comentário

Crie um site como este com o WordPress.com
Comece agora