Meu querido,
Espero que este e-mail o encontre bem. Deveria ter mandado alguma mensagem antes, mas meio que surtei na semana passada e desativei todas as minhas redes sociais. Estavam me dando nojo de mim mesma. Não sei se chegou a você, mas saí de casa (acho que chegou sim, teriam te ligado). Não contente, pedi férias do trabalho (também acho que já sabe disso). Tô em um período sabático (sim, isso eu sei que você sabe). Espero que não esteja suspirando fundo enquanto abre esse e-mail e pensa: Ela me deixa tão louco. Certo, agora dei uma risada ao imaginar que você tenha realmente ficado com raiva. Peço desculpas por toda essa situação e por rir de você agora. Não é fácil começar a namorar e, de repente, a sua namorada some por duas semanas e manda um e-mail para mostrar que ainda está viva.
Mas, bem, é necessário. Porque pensar demais é torturante. Agora, pensar demais sem algum estímulo é pedir para carecar a minha cabeça.
Me mudei para um lugar silencioso e descobri que não gosto de mim mais do que eu pensei, mas busquei o lado bom e acho que enxergar os meus defeitos mostra que sou real, assim como as pessoas que eu amo, que também são reais, e, apesar disso, ainda as enxergo como pessoas que erram, que me irritam e que às vezes não quero por perto. É bom, né? Se reconhecer como alguém humano. É um grande passo para pegar mais leve com si mesmo.
Tenho comido melhor, tentado regular o meu sono e não mexer tanto na Internet. Vi bastante filmes, mas tenho lido bastante. É legal porque moro perto de uma área arborizada e os passarinhos estão sempre cantando. É meio melancólico, na verdade. Me disseram que eu sou meio melancólica. Fiquei pensando nisso. Olhei pro espelho do banheiro e acho que tenho olhos meio tristes, apesar de saber sorrir com eles. É estranho eu dizer que é porque vejo beleza na dor (estou rindo de novo agora)?
Ainda, olhando para o céu das noites que passei acordada, acho que não gosto de ficar sozinha. É necessário para as minhas reflexões em busca de autoconhecimento, mas ainda me assusta. Tenho medo do escuro. Também tenho medo de ter pesadelos e acordar no meio da noite sem ter alguém para olhar. O silêncio me incomoda. Acho que ninguém gosta de ficar sozinho. Não estou em busca de sermões, mas queria botar para fora essas perturbações e frustrações que é se enxergar como alguém que também falha, que também tem medo. Entende? Agora ri sozinha. Imaginei que realmente estivesse falando com você e que você me responderia de imediato, mas apaguei meu WhatsApp e joguei meu celular no rio lá na Ponta Negra, então nem tenho como te ligar. Será que você se preocupou comigo? Será que sente a minha falta? Será que ligou ou mandou mensagem para alguém perguntando por onde ando?
Olha eu de novo com medo de rejeição…
Mas, eu sinto de alguma forma que estamos conectados e que você me entende. Acho que ter uma rede de segurança faz eu ter a concretude (essa palavra existe mesmo?) sobre o que são os sentimentos reais e humanos e não ser tão apegadas a eles. Algo sobre a faca de dois gumes, onde a fragilidade dos nossos sentimentos faz com que nos apeguemos tanto a eles que temos medo de deixá-los cair. Porque, caso caiam, eles doerão tanto que não saberemos lidar. E aí, quando você os reconhece, trata como se fossem pontes (não era bem essa palavra) seguras onde pode se apoiar e passear livremente.
Era pra ser só um e-mail dizendo: Oi! Não sumi, ainda vamos ver aquele filme? Mas acho que só de pensar que é pra você me empolguei tão rápido. São frustrações que estou pondo para fora. E me sinto confortável para compartilhar com você, independente de você estar querendo sabê-las ou não. Na verdade, eu sei que você vai gostar de ler porque adora essas coisas.
Enfim, percebi que não sinto demais, sinto de menos. Sinto sem tanto. Sinto sem muito. Sinto por muito menos. Nada me abate tão facilmente, nada me empolga. Nada me emociona, meio que isso. Será que é meio que por isso eu sou tão exagerada? Para preencher o nada que existe? Mostrar que eu sou humana e faço parte da humanidade? O que é triste, né? Porque eu queria ser meio emocionada. Acho que às vezes mais perfomo do que realmente é. Queria chorar pelas coisas ao meu redor, queria sentir tanto que tudo doesse pelo corpo. Mas as emoções me atingem, doem no meu coração tão fundo que, talvez, a dor seja agora tão comum pra mim. Eu queria que ela fosse nova, avassaladora. Acho que me falta algo que dê realmente sentido à ela para que ela me desfaleça por razões concretas. Sinto às vezes que ela só nasceu comigo, tal qual algum membro ou articulação. Ela corre nas minhas veias como parte de mim (que brega, né? ter sentimentos).
Fora isso, tenho reações tão tardias que quando elas vêm, na maioria das vezes todas de uma vez, me pego sofrendo por coisas que aconteceram há três anos. Me sinto tão estúpida e injustiçada. Eu poderia ter quebrado a cara daqueles que me feriram no momento que feriram, mas eu só senti anos depois. Eles estão vivendo normalmente sem ao menos lembrar de situações passadas e eu me remoendo como uma velha ranzinza. Será que essa será eu no futuro? Uma velha feia cheia de rugas, marcas de sentimentos que nunca superou ao longo da vida lenta dela, ranzinza, reclamona e propensa a tomar remédios por debilitação mental?
No entanto, hoje só me sinto como uma criança medrosa e machucada. No fim, como já te falei várias vezes, somos feitos de criancices e sonhos não realizados da infância. Confesso que nesse tempo isolada na minha quitinete, no meu colchão, meu ventilador e meu espelho, só me pergunto quando foi a última vez que a minha eu criança não tinha uma mente tão acelerada.
E aí, vem o meu pensamento do dia: a última vez. Quando foi a última vez que acordei sem emanar um pensamento na mente, apenas preocupada em levantar, tomar banho e comer? Quando foi a última vez que me olhei no espelho e reconheci o reflexo como parte de mim? Quando foi a última vez que me senti segura em casa e a tratava como se fosse parte de mim também? Será que teve alguma vez que já me senti em casa? Quando foi a última vez que estive tão confortável que não pensei em sumir ou fugir? Quando foi a última vez que não descontei as minhas frustrações em partes do meu corpo e sim, chorando e desabafando com alguém? Quando foi a última vez que me levantei disposta? Quando foi a última vez que realmente estive segura sobre quem eu era?
Distante disso, consigo lembrar da primeira vez de muitas coisas, infelizmente. A primeira vez que tive uma reflexão existencial e percebi que eu era alguém físico. A primeira vez que senti a maldade masculina. A primeira vez que me senti abandonada. A primeira vez que percebi que era um tanto faz. A primeira vez que me senti usada. Todas ainda quando era uma criança. As crianças crescem tão rápido, né? Adultas quando crianças, crianças quando adultas.
Por fim, senti a sua falta. Mas tem coisas que são necessárias se quero ser apenas eu sozinha até que eu seja apenas eu sozinha com você. Eu volto em menos de um mês. O que acha? Podemos sair para tomar sorvete, e aí você vem aqui na quitinete nova para conhecer. As janelas são bonitinhas e as cores também.
Não responda esse e-mail, mas veja, anote essas respostas porque estou doida para saber como você está, o que anda fazendo, como está no trabalho e se aquele pessoal ainda é uma encheção de saco. Também quero saber se você viu aquele filme e se gostou, se tem visto as últimas no jornal e o que achou desse tempo faiscante que eu sei que tanto odeia. O que achou do vento da noite passada? Você acha que a letra daquela música é uma alusão a sexo a três? Ah, sinto saudade de ouvir a sua voz. Fico imaginando o seu sorriso. Sorte a minha que tenho uma foto.
Espero que caia no spam.
Com carinho e muito amor,
Eu.

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